O crescimento da fé evangélica
está mudando o Brasil dos esportes
à política, das favelas aos bairros
chiques, dos presídios à televisão
Por José Edward
As conseqüências desse crescimento são muitas. Apenas como sinais das alterações a que esse fenômeno pode levar no perfil das famílias brasileiras, vale citar que os evangélicos, mesmo entre os menos escolarizados, têm menor número de filhos que seus vizinhos de outras religiões. Três quartos das mulheres evangélicas casadas usam contraceptivos. Quase 90% dos adeptos de igrejas evangélicas acreditam que a moral sexual do homem e da mulher deve ser igual, e 65% deles preferem casar-se com algum irmão de fé.
Ao contrário do que acontece com os católicos brasileiros, cuja maior parte nasce dentro da religião mas na maioria dos casos não a segue completamente, os evangélicos levam a prática da fé a sério. Para começar, muitos evangélicos são convertidos – ou seja, escolheram aderir a uma religião por conta própria. Por isso, tendem a se tornar militantes da causa, envolvendo-se nos cultos e nas atividades comunitárias desenvolvidas em torno dos templos que freqüentam. Segundo dados do Instituto Superior de Estudos da Religião (Iser), 80% dos evangélicos dizem participar das cerimônias e das obras sociais com regularidade – uma porcentagem quatro vezes maior que no rebanho católico.
As religiões cristãs não-católicas, como as evangélicas, têm sua origem no começo do século XVI, quando um monge alemão chamado Martinho Lutero se insurgiu contra Roma. No ano de 1517, revoltado com a venda de indulgências pelo papa, Lutero escreveu suas famosas 95 teses, que pregou na porta da catedral de Wittenberg. Foi o estopim da Reforma Protestante, que se tornaria uma das mais profundas transformações sociais da história humana. Com o tempo, do tronco protestante antipapal foram brotando dezenas de denominações. A mais importante dessas subdivisões, a do pentecostalismo, criada pelo pregador negro americano William Joseph Seymour, foi uma explosão de fé. Hoje há mais pentecostais no mundo do que anglicanos, batistas, luteranos e presbiterianos somados.
Ao proliferarem em todas as camadas sociais, os evangélicos estão produzindo mudanças facilmente detectáveis. A mais visível delas acontece em público. Neste ano, o mais retumbante evento da Semana Santa, o Sermão da Montanha, aconteceu numa praça de nome católico, a Praça do Papa, em Belo Horizonte, mas foi liderado por evangélicos. Cerca de 100.000 protestantes de ramos diversos ali apresentaram ao Brasil um refrão que sinaliza os novos tempos: "Um, dois, três, quatro, cinco, mil, queremos um evangélico presidente do Brasil". Circunstancialmente, foi o presbiteriano Anthony Garotinho, de 42 anos, quem se apresentou como candidato a esses votos. Poderia ser, também, a nova governadora do Rio, a petista Benedita da Silva, fiel da Assembléia de Deus e sucessora de Garotinho no Palácio Laranjeiras. O relevante é que a comunidade protestante se sente forte o suficiente para ter um candidato a presidente.
Nos campos de futebol, a imagem de jogadores mostrando camisetas com mensagens cristãs é a parte espetaculosa de uma mudança profunda nos treinos e nas concentrações. "O ambiente esportivo tornou-se menos hostil depois do aparecimento dos Atletas de Cristo", diz o secretário-geral da entidade, o ex-piloto de corridas de automóvel Alex Dias Ribeiro. Isso quer dizer que muitos já não participam de brincadeiras machistas e degradantes envolvendo colegas, não se acabam em noitadas na véspera dos jogos e até evitam xingar os juízes. A Associação dos Atletas de Cristo já tem 10.000 inscritos e o time revelação dos últimos anos, o São Caetano, exibe-se com metade da equipe vestindo a camisa de Jesus por baixo do uniforme azul. "Geralmente, esses jogadores são mais educados e têm posturas mais positivas", compara o ex-técnico da Seleção Brasileira de Futebol Carlos Alberto Parreira.
Em todas as variantes do protestantismo, é missão do fiel e de seu pastor espalhar a palavra do Senhor. Em resumo, ele deve converter seu semelhante. Na maioria dos casos, quanto pior o currículo ético desse semelhante, maior será o esforço para salvá-lo. Em ambientes nos limites da conduta moral, fica mais claro o poder transformador dessa ação. Na Casa de Detenção de São Paulo, onde havia 7.600 presos até o início da desativação, há seis meses, um quinto dos presos era evangélico, a maior parte deles convertida na própria cadeia. A conversão dava o privilégio de viver num pavilhão dos menos tumultuados, num mundo diferente do resto da cadeia. Entre esses homens, nenhum jamais se envolveu com drogas, agressões ou crimes dentro da prisão. Recebiam também mais visitas, interessavam-se pelo mundo exterior, faziam planos para o futuro e tinham mais chance de obter apoio, pelas comunidades, ao deixar a detenção. "Até no asseio pessoal e na arrumação das celas eles se comportavam melhor", diz o diretor da Casa de Detenção, Jesus Ross Martins, coincidentemente pastor presbiteriano.
A simplicidade facilita a evangelização. Enquanto os católicos fazem cerimônias aos santos, estão sempre sob a mediação dos padres para conversar com Deus até na hora de se confessar e desconhecem os códigos que regem a burocracia de sua igreja, os protestantes são estimulados a falar diretamente com o Senhor e podem usufruir as recompensas por sua fé enquanto vivem, em vez de sofrer calados e esperar a morte para conferir se têm direito ao paraíso. No discurso da maioria dos protestantes, a insegurança, a droga, o alcoolismo, a infidelidade, a vida indigna, o desrespeito, a miséria e todos os eventos ruins que podem atingir uma pessoa compõem as faces diversas de um inferno que se experimenta na terra. Numa troca simples, a igreja evangélica propõe que sua ovelha se afaste do mal e siga um código duro de conduta, oferecendo em troca apoio e reconhecimento por seu sucesso na empreitada. "Num momento, o sujeito se sente desamparado e, no outro, está num ambiente de fraternidade, solidariedade, comunidade e dignidade", diz o sociólogo Alexandre Brasil Fonseca, autor do livro Evangélicos e Mídia no Brasil. "É fácil entender por que os novos evangélicos se entusiasmam."
FONTE: Revista Veja - veja.abril.com.br
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